Morten Toft Bech é o empresário dinamarquês que criou a Meatless Farm, para contribuir para uma melhor alimentação e um planeta mais sustentável.
Quando iniciou o negócio, tudo era produzido no Reino Unido: o produto e a embalagem. Com a possibilidade de expandir, para os EUA e para a Europa, chegou a necessidade de produzir também nos Países Baixos. A empresa inaugurou uma unidade de produção em Almere, para intensificar a distribuição de produtos nos canais de retalho e restauração, assim como acelerar o processo de desenvolvimento de novos produtos da marca.
Com a Lovingly Made Ingredients, subsidiária lançada no início do ano com vista a produzir “proteína vegetal texturizada”, fazem a matéria-prima para os produtos Meatless Farm, mas, também, proteína customizada, para outras marcas, de forma que estas possam, igualmente, criar os seus próprios produtos alternativos à carne, em hambúrgueres, picado, salsichas, nuggets, entre outras opções.
No início de 2021, a Meatless Farm chegou a Portugal, onde já comercializa em plataformas como a Easygreen, Green Beans e no Recheio MasterChef. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, cada habitante do território nacional consumiu, em 2019, 119kg de carne. Contudo, os portugueses começam a demonstrar abertura para mudança de hábitos alimentares, quer por questões de saúde quer por uma maior predisposição para a preocupação ambiental. De acordo com os dados II Grande Inquérito sobre Sustentabilidade em Portugal, desenvolvido por investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e publicado em 2019, mais de metade (50,6%) dos inquiridos estão dispostos a reduzir o consumo de carne e a apostar numa alimentação de base vegetal (45,1%).
Falámos com o empresário, que explicou a visão que sustenta a sua marca.
Como é que um cidadão dinamarquês, sem qualquer ligação à área, arranca com uma empresa que produz alternativas à carne?
Trabalhei na indústria financeira durante muitos anos. Vivia em Londres e tinha filhas pequenas: uma de 4 e outra de 8 anos. Acho que isso muda um pouco a forma como olhas para o planeta. Londres é impulsionada pela felicidade através da aquisição, ou seja, o que acho que está errado com o mundo. E era assim que eu vivia. Então, em família, decidimos sair de Londres. Mudámo-nos para Ibiza e vivíamos no meio de um campo. Foi um ponto de ruptura para mim. Comecei a contactar mais com a natureza e a viver uma vida mais simples, e comecei a pensar que precisamos mudar algumas coisas na forma como nos alimentamos. Um dos motivos é o planeta e o outro é a nossa saúde. As pessoas aperceberam-se que enfrentam uma crise na qualidade do que consomem, e isso nota-se o que se nota uma baixa qualidade de bactérias intestinais e baixo sistema imunitário como consequência.
Em 2016, não havia nenhum produto que fosse semelhante à carne picada e que fosse de base vegetal. A agricultura animal industrializada é muito intensiva em termos de consumo de água, uso do território e de alimentos. Nos últimos 70 anos, ganhámos riqueza no mundo ocidental e o consumo de carne aumentou. Mas, se olharmos para as tradições, por exemplo, no Reino Unido há um prato que se chama “assado de domingo” e isso era algo especialmente feito para aquele dia. Agora é domingo todos os dias… e consumimos carne três vezes por dia, sete dias por semana.
Em 2016 o mundo conheceu o vosso picado, alternativo à carne. Quanto tempo demorou para construir uma empresa e começar a produzir? Quais foram os grandes desafios que enfrentaram?
Percebi que não sabia muito sobre a indústria e fiz questão de encontrar as pessoas que podiam ajudar. No início, fui a um laboratório no campus da Universidade de Redding e perguntei-lhes se queriam entrar neste projeto comigo. Por cerca de seis meses, desenvolvemos um produto novo. Não tínhamos uma referência ou qualquer outro produto para experimentar. Tinha que parecer carne picada, porque é o que o consumidor está habituado a usar, e é algo que tem de cozinhar e fritar da mesma forma.
Depois inventámos algumas receitas que eram muito boas e percebemos que não podemos usar trigo por causa da intolerância ao glúten, o que nos obrigou a pensar em outras aplicações e complicações. Por exemplo, cozinhar num forno ou numa panela, ou misturar o produto com a acidez do tomate, leva a diferenças. Formei então uma empresa e procurei investimento, dei o produto a provar e houve uma óptima aceitação. Levei-o à cadeia de supermercados Sainsbury's e deram-nos distribuição em 450 supermercados. Precisámos contratar pessoas e dar resposta às solicitações. Agora, somos 125 estrelas na empresa, com escritórios em Leeds onde começamos inicialmente. Temos ainda um escritório em Amesterdão e um em Nova Iorque.
E, entretanto, continuam a desenvolver novos produtos...
A indústria da carne passou 70 anos a aperfeiçoar a eficiência, ao ponto de se poder comprar carne picada por, digamos, 2.5€ por 500g num supermercado. E uma coisa posso garantir: se tivermos de entregar um produto a um determinado preço e não for possível ser mais caro, então a qualidade não vai ser a desejada. É preciso permitir o espaço para as marcas prosperarem, porque as marcas podem apostar na qualidade.
Já disse anteriormente que não se considera vegan…
Não como muita carne, mas se me cozinharem uma perna de cordeiro, que levou três horas a confecionar, eu como um pedaço. Para mim, não consumir carne é uma opção de vida, não é como uma religião.
Conhecer o sabor da carne é importante no processo de criar produtos alternativos?
Acho que tem de ser. Quer na carne picada, nos hambúrgueres e nas salsichas é necessário capacitá-los com perfis de sabor. É preciso parecer e comportar-se como carne, mas com ingredientes limpos, sem substâncias geneticamente modificadas, colocando em perigo os benefícios para a saúde. Quero ser capaz de responder a perguntas de forma transparente e dizer que usamos celulose de metilo, que é o único “E” utilizado. Estamos a trabalhar numa alternativa natural para ser substituir esse aglutinador. Contudo é um processo e temos de ser sempre honestos com o consumidor.
Pensaram também nos profissionais da restauração e criaram produtos específicos. Porque seguiram essa direção?
É importante vender em dois canais principais: o retalhista e o serviço alimentar. A forma como um chef cozinha é muito diferente da forma como cozinhamos nas nossas casas, tanto em termos de volume como de conhecimento. Por isso, achámos importante conceber versões diferentes dos vários tipos de produtos. Os restaurantes estão a procurar ter cerca de 25% da ementa com uma base de proteína vegetal e isso significa uma oportunidade interessante para a nossa empresa, uma vez que atualmente essa percentagem está na casa dos 2 a 3%.
Já considerou fazer parcerias com chefs, por exemplo?
Sim, adoraríamos fazer parcerias com chefs locais em cada um dos mercados, da mesma forma que fizemos uma grande parceria com o Real Madrid, o que é muito interessante. Eles contactaram-nos e começámos o diálogo. São um clube sustentável e queriam melhorar a alimentação dos seus atletas.
Entretanto, na vossa estratégia de internacionalização, o que vos atraiu em Portugal?
Os nossos níveis de ambição são modestos quando entramos num novo mercado. Entendemos que não somos uma marca local. Temos de ganhar espaço ao longo do tempo e o que estamos a ver nas tendências em Portugal é o mesmo que vemos noutros lugares. Há um enorme crescimento no segmento Flexitariano e até um grande crescimento no segmento Vegan. Portugal é também um mercado agradável para testar produtos pois tem um consumidor direto e crítico, como deve ser.
Quais são os vossos objetivos a curto prazo?
Queremos investir na integração vertical da nossa cadeia de valor, nas relações com os agricultores locais, nos processos extrusivos e no de fracionamento, para obter melhores proteínas e um processo cada vez mais limpo. E depois há a parte tradicional das equipas e do marketing. A I&D é muito importante neste processo. Também queremos lançar novos produtos, como alternativas ao peixe e ao frango, apostando também em conceitos de “pronto-a-comer”. Acho que a conveniência é bastante atraente, e é o que o consumidor procura cada vez mais. A ideia de que uma refeição pronta é algo saudável deve mudar, se os produtos que a compõe são de qualidade.
A sustentabilidade
O quão intensivo será para o solo se tivermos uma dieta à base de plantas tão massificada como é, atualmente, o consumo de carne?
Qualquer consumo em massa é obviamente muito, muito difícil. O que a base vegetal pode oferecer, que a indústria da carne não pode, é o rendimento por metro quadrado de uso da terra e uso da água. Não vamos dar alimento a uma vaca que, depois, o transforma em músculo e que matamos, distribuímos e vendemos. É mais eficiente comê-lo diretamente. Mas, qualquer consumo em massa é, naturalmente, difícil. Nós produzimos e temos a nossa própria fábrica no Canadá, em Calgary, e enviamos os produtos para a Europa, para os processar e enviar para as superfícies comerciais.
Podemos discutir se essa é a melhor prática de sustentabilidade ou não. É mais sustentável que consumir carne, mas é claro que ainda há muito a resolver. Com mais volume, esperamos construir uma fábrica e/ou aumentar a fábrica que temos na Holanda. É um desafio constante.
Se estivéssemos a dirigir-nos apenas aos vegans, que são uma percentagem muito pequena da população, provavelmente mudaríamos muito pouco. Mas ao aproximar-se dos consumidores de carne e do mercado mainstream, é aí que vem a conversão. E por isso estamos a tentar fazer tudo o que podemos. Se olharmos para a captura do carbono, os animais reviram o solo com os pés e há uma melhor captura de carbono do que há em cultivar uma monocultura num campo, ano após ano, e por isso também não apoiamos essas situações.
Não digo que a carne é má e as plantas são boas. Não sou anti carne ou vegan. A nossa abordagem é de senso comum, pois tudo o que fazes é melhor se for feito em equilíbrio. A verdade está no meio. Para a dieta à base vegetal aplica-se o mesmo. Trabalhamos com ervilhas, mas é necessário trabalhar com outras culturas para um perfil nutricional completo e por isso trabalhamos com favas, grão-de-bico, ou arroz integral, para completar o perfil de aminoácidos, e assim por diante. Precisamos começar a pensar sobre como alimentamos as pessoas no futuro. É absolutamente necessário, porque acredito que as mudanças climáticas, criadas pelo homem ou pela própria natureza, estão aqui. Precisamos mudar a forma como estamos a operar e isso é urgente. É algo que não podemos corrigir daqui a 50 anos. É algo que recai sobre a nossa geração e todos nós - tu, eu e todos – podemos mudar ativamente.
Disse que “ser sustentável é muito difícil”. Pode clarificar?
O que quero dizer é que começas com um objetivo, defines todas as regras e queres ser transparente. Tens de ter rastreabilidade em todos os nossos ingredientes. De onde vêm? Como são produzidos? E não queres usar plástico. Idealmente também não queres usar gás para aumentar o prazo de validade, e assim por diante. Depois começas a ver como é que a alimentação realmente funciona, como é que se mantém fresca e como é distribuída. Como é que arranjamos um produto que é produzido em Nottingham, que é fresco, enviado para os EUA e distribuído? E é aí que se torna realmente difícil encontrar esse equilíbrio, entre vender produtos frescos, retirar a carne da cadeia de abastecimento e, ao mesmo tempo, trabalhar na sustentabilidade de todos os ângulos. É como um alvo em movimento. Porém, se começas algo com a ambição de o fazer da maneira certa e não apenas de ganhar dinheiro, então já estás no caminho certo.
Como abordam a questão da sustentabilidade na embalagem?
No início foi fácil, porque lançámos os produtos apenas no Reino Unido. Depois rapidamente começámos a exportar para os EUA e tivemos alguns desafios. Por exemplo, se a embalagem pode decompor-se não pode ser congelada ou reciclada. Neste momento, cada país tem regras de reciclagem diferentes. O que é possível na Alemanha pode não ser possível em França ou no Reino Unido. Alguns países colocam as embalagens num aterro. E se fizerem isso, temos de ter um material diferente, que possa decompor-se. Portanto, a abordagem é realmente individual e é necessário olhar para cada um dos mercados e tentar. O desafio é que os retalhistas querem a sua margem e pode ser um desafio obter a embalagem certa, pois muitas vezes é mais caro e os retalhistas não vão pagar por isso. Tem que ser o produtor a pagar por isso e ainda ter de lhes entregar a margem desejada. E, claro, nós, como negócio, também temos de construir um negócio sustentável e a fazer o bem.
Produzem as embalagens em cada país, ou têm uma produção centralizada e alterada de acordo com os países em que entram?
Estamos a começar a fazer isso agora. Na Europa, por exemplo, vemos que há diferentes requisitos de embalagem para diferentes mercados. Então, o Reino Unido é uma ilha em muitos aspetos. Foi por isso que tivemos de criar uma fábrica na Holanda onde produzimos os nossos produtos europeus. Agora, são produzidas com as especificações europeias, tanto para as línguas como para a impressão e embalagem, com diferentes requisitos legais. Assim, fornecemos as embalagens europeias a partir de uma fábrica nos arredores de Amsterdão. E depois para o mercado do Reino Unido e dos EUA, produzimos no Reino Unido, em Nottingham. Essas duas fábricas estão a produzir o produto final. E depois os ingredientes que usamos nos produtos, pelo menos a maior parte dele, a proteína vegetal texturizada, é produzida em Calgary, no Canadá.